A discussão sobre guarda dos filhos sempre foi um assunto tormentoso, tanto para os casais envolvidos, quanto para os juízes responsáveis pela decisão dos casos. Para regrar e equilibrar a forma de convivência e responsabilidade de ambos os genitores em relação aos filhos comuns, foi editada a Lei 11.698/2008, com o intuito de regulamentar o entendimento dos juízes das varas de família. E, em 2014, a Lei 13.058 veio para dar novos esclarecimentos sobre o significado do termo “guarda compartilhada”
Ao contrário do que muitos pensam, conviver com os filhos não se trata apenas de compartilhar momentos de lazer, mas também os momentos de tomada de decisões, de dificuldades e de educação. As leis mencionadas pretendem buscar um aumento de consciência nos pais, com relação às suas obrigações com os filhos.
Os pais, independentemente do tempo de convivência com os filhos, do local onde moram, ou do valor pago na pensão, devem colaborar equitativamente para o bem estar e pleno desenvolvimento da criança em todos os níveis. Ressaltando que ex-conviventes jamais serão ex-pais. Esse é um vínculo que se manterá por toda a vida.
Assim, caso haja conflitos entre o ex-casal, a regulamentação da convivência, mesmo antes da aplicação da guarda compartilhada, é um ato de bom senso, e é ferramenta imprescindível para evitar ou ao menos minimizar o impacto desses conflitos sobre a vida dos filhos.
Como já foi extensamente esclarecido por diversos doutrinadores ao longo de nossa trajetória como sociedade, o Direito é uma ciência móvel, que se modifica de acordo com os problemas apresentados, sejam eles nas relações negociais ou pessoais. Assim, antes de existir a solução jurídica, invariavelmente surge o problema. E isso aconteceu também no Instituto da guarda compartilhada, o que levou ao aparecimento de tais regras.
Não podemos, entretanto, acreditar que o surgimento dessas leis resolverá todos os problemas de guarda como num passe de mágica. Nos casos de Direito de Família, normalmente estão envolvidos muitos sentimentos. E sentimentos não podem ser mensurados, não passam pelo campo da razão.
A obrigação de pais e mães é prover o crescimento saudável de seus filhos, e é uma obrigação constitucional, da qual nenhum deles pode se eximir. Dessa forma, aos operadores do Direito, sejam eles juízes, promotores ou advogados, cabe trabalhar de forma a evitar radicalismos, sempre tendo em mente o bem estar da criança envolvida.
Compartilhar significa tomar parte. Guarda compartilhada é aquela em que ambos os pais tomam parte nas responsabilidades, decisões, e também nas alegrias inerentes à criação de um filho.
Em uma visão mais ampla do instituto, pode-se dizer que a guarda compartilhada representa na quase totalidade das vezes o princípio constitucional do melhor interesse da criança. Mas ressalte-se que também pode traduzir um princípio de melhor interesse dos genitores, posto que a divisão de responsabilidades retira de um dos genitores o peso absoluto das decisões que devem passar a ser partilhadas entre ambos.
Disputa pelo poder
A família contemporânea é muito diferente das famílias de outrora. Antigamente tínhamos a figura do pai – provedor, e da mãe que ficava em casa, criava e educava as crianças. Hoje ambos os pais participam cada vez mais na formação e educação dos filhos, em igualdade de condições.
A Constituição Federal reconhece a igualdade entre homens e mulheres no que se refere à sociedade conjugal ou pela união estável. Especificamente, prevê o art. 1.511 do CC que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, devendo, por óbvio, essa igualdade estar presente em relação aos filhos.
Em decorrência do princípio da igualdade entre os cônjuges, surge o princípio da igualdade da chefia familiar, ou seja, a figura paterna não mais exerce o poder de dominação do passado. O regime é de companheirismo ou colaboração, não havendo hierarquia, desaparecendo a figura do pai de família, não sendo mais utilizada a expressão pátrio poder, substituída por poder familiar, conforme art. 226 § 5º da Constituição Federal e art. 1.566, inciso III e arts. 1.630 a 1.638 do Código Civil.
Diante dessa nova perspectiva, buscar os filhos de quinze em quinze dias prá passar o final de semana já não é mais o suficiente. Sem contar que as crianças, principalmente as menores, não têm percepção exata do tempo transcorrido entre o aparecer e o desaparecer do genitor quinzenalmente. Para elas, o entendimento é de surgimento e abandono de forma repetida.
Visto por este aspecto, a presença dos pais junto à criança, apesar de separados, tem como positiva a intenção da manutenção e fortalecimento do vínculo do genitor com o filho, ou seja, seu interesse real em participar do crescimento da criança, auxiliando em sua formação física, psicológica, moral e espiritual. O lado negativo se manifesta em certos casos onde existe a intenção de usar a criança para tentar manter o vínculo com o ex companheiro. São casos que por vezes se tornam patológicos e evoluem para a manipulação da criança. É o que se convencionou chamar “alienação parental”.
Ocorre que só dois fazem um. Ambos os genitores são necessários à formação completa da personalidade de uma criança. A guarda compartilhada é uma forma de reforçar a parentalidade, valorizando de forma diferenciada, mas com os mesmos pesos e medidas, as funções da maternidade e da paternidade.
Princípio da Solidariedade Familiar
O Princípio da Solidariedade Familiar passou a reger as relações familiares a partir da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988.
Tal princípio decorre do princípio da solidariedade social (artigo 3º, inciso, I, da CRFB). Saliente-se que o princípio em estudo é composto pela afeição e pelo respeito, os quais, nas palavras de Roberto Senise Lisboa: “são vetores que indicam o dever de cooperação mútua entre os membros da família e entre os parentes, para fins de assistência imaterial (afeto) e material (alimentos, educação, lazer)” (2002, p. 46, grifo no original).
É importante esclarecer que o afeto deve ser entendido como sendo o vínculo emocional que se origina dos sentimentos que ligam os integrantes de uma família e que o respeito, por sua vez, deve ser compreendido como o valor que se atribui a um determinado parente, respectivamente (LISBOA, 2002, p. 45).
Assim sendo, pode-se dizer que a solidariedade deve reger todas as relações jurídicas, sobretudo, as relações de família, já que é no seio familiar que se desenvolvem sentimentos de afeição e de respeito.
Lembre-se que são os pais que incutem na mente de seus filhos os valores que devem nortear suas vidas, de modo que se a eles for ensinada a importância da solidariedade, com certeza, eles se transformarão em pessoas preocupadas com o bem-estar de seus familiares.
O doutrinador Paulo Luiz Netto Lôbo (2007, p. 05)
“A solidariedade instiga a compreensão da família brasileira contemporânea, que rompeu os grilhões dos poderes despóticos – do poder marital e do poder paterno, especialmente – e se vê em estado de perplexidade para lidar com a liberdade conquistada. Porém, a liberdade não significa destruição dos vínculos e laços familiares, mas reconstrução sob novas bases. Daí a importância do papel da solidariedade, que une os membros da família de modo democrático e não autoritário, pela corresponsabilidade”.
Concluímos que um novo paradigma de sociedade será criado por homens e mulheres dispostos a criar seus filhos de forma saudável e harmoniosa, privilegiando os valores de solidariedade, respeito mútuo, e dignidade da pessoa humana.
Então, essas crianças crescerão e se tornarão os criadores de um mundo muito mais feliz e fraterno.
Sobre a autora
Mariah S. Silva Valente – Advogada, graduada em Direito pelas Faculdades Integradas Toledo de Ensino, Pós-graduada em Direito Civil pela Universidade Estadual de Londrina/PR, U.E.L, especialista em gestão de Pessoas pela Faculdade Católica Santa Dorotéa/RJ